Desertações
Pedro Góis Nogueira
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
A Zona Marco
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A audácia de Atenas tem ajudado a devolver às coisas os seus nomes. A denúncia da troika (mas não das suas instituições e ainda menos das dívidas da Grécia para com elas) ajudou a despertar os europeus para o horror disfarçado de normalidade
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O cinema ajuda a perceber o que está em causa. Os donos da Europa oferecem aos negociadores gregos o mesmo do que Michael Corleone no filme O Padrinho: "Nada." E sobre a natureza oculta da Europa em que nos encontramos, o melhor será revermos o Matrix. A zona euro é afinal a zona marco alargada a quem se portar bem. "A esfera pública europeia" é uma caricatura vertical de um diálogo que, se fosse entre iguais, teria de ser horizontal. A UE é uma máscara benevolente de onde espreita uma nova "balança da Europa", à beira de se desequilibrar estrepitosamente. Vergada sob a terceira tentativa, num século, de consolidação de uma modalidade de hegemonia germânica. Não sabemos os próximos capítulos desta tragédia, mas só os distraídos podem afirmar desconhecer como vai acabar
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"A direita está preocupada, isso sim, porque o governo grego é o primeiro a confrontar directamente os mecanismos de subjugação a que tem vindo a ser sujeito o seu povo e porque o seu exemplo tem um enorme potencial de alastramento. Não é por acaso que a maior hostilidade em relação às propostas europeias do governo grego provém precisamente das elites e governos servis de Portugal e Espanha, que estão precisamente na linha da frente desse potencial de alastramento. O novo governo grego tem de fracassar, custe o que custar, não vá dar-se o caso de mostrar às pessoas que é possível governar com elas e para elas em vez de contra elas.
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Há demasiada ingenuidade nas esquerdas que pedem a Berlim mais lucidez, mais sangue-frio na sua atitude negocial. Não conseguem entender que o jogo político não obedece apenas a uma racionalidade contabilística de benefícios e custos; está também imbuído dos valores e crenças que são o núcleo (certamente evolutivo) da cultura de um Estado-nação. Por isso, ou o Syriza capitula no essencial, a política económica do novo governo, ou a Grécia será expulsa do euro via BCE. Um "euro bom" não é mais que a fantasia das esquerdas tradicionais na sua fase terminal.
O Bloco de Esquerda e a esquerda que quer fazer o PS virar à esquerda - qual bom escuteiro que quer ajudar a velhinha a atravessar a rua, apesar de não ser essa a sua vontade - não entendem que os tratados da UE estão formatados segundo os princípios do pensamento ordoliberal alemão e do constitucionalismo económico de Hayek. Isto significa que as regras de organização da economia da zona euro (o essencial da UE) estão blindadas contra as flutuações do ciclo político. Quaisquer que sejam as orientações ideológicas dos governos eleitos na UE, as normas reguladoras da economia e da política económica não podem mudar. A soberania dos estados-membros não está nem estará sujeita a uma soberania de nível superior (democracia federal), porque não há, e não é imaginável que venha a haver, um povo europeu.
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