segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

47.


COBERTO DE VENTO, NO PENSAMENTO

Aos 16 anos escreveu:

A barca ao vento
cobre de tempo
meu pensamento

Coberta de vento
no pensamento
a barca ao tempo

Depois escreveu Nada durante uns 20 anos, diz que viveu
Só 
Que esqueceu. 

Toback, The Man

                     
                         

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Dicionário de Sonhos

Sonho que entro sozinho num elevador de madeira bem velho e apertado, carrego no seu único botão, começo a ascensão, pego na folha que tenho no bolso do casaco com um poema de Gabriel Garcia Marquez, ia começar a recitar... É o fim: o elevador pára. O fim no plot pointGame Over. Eu bem carrego no botão solteiro, mas nada. Não anda mais. Mal visto a minha voz abrir a boca e logo ali acaba a brincadeira. Depois o alarme não funciona. Depois eu grito, ninguém me ouve. Estou preso, eu mais o tal do poema. Será tanto mais o tempo claustrofóbico ali fechado quanto me custará sair do sonho. Tento ler o poema, não distingo as letras. É bem feito: não sabia que Garcia Marquez tinha poemas - descobri-o agora. É bem feito: existem faltas que nem os sonhos perdoam. Limites são limites, que isto do sonhar não é o Universo (se é) infinito. Então não era eu que queria tanto o conselho do travesseiro? Para onde é que queria realmente subir? Era mesmo para casa da minha avó? 

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

45.

Sorvia-me como se fosse respiração assistida. Estranhei até perceber que sim, que estava, que sim, havia. Havia chegado o dia. As horas já não via às escuras. Podia tirar o capacete à vontade. Mesmo que a última passagem pelo túnel fosse nada fácil - tudo preto, tudo preto antes do último sinal - fechava os olhos via melhor. Cinco da manhã desperto. Às onze minhas costas já pesavam três toneladas - tive de me sentar. Sentar e esquecer. Esquecer até o ar deixar de pesar. Então por um qualquer vácuo fui projectado para a cidade. Esquecendo-me de almoçar creio ter visto Paulo Nozolino frente ao quartel da Ferreira Borges. Reflectia e observava. Então comecei a reflectir e a observar. Então um choque de lucidez largou-me um fantasma - iria perder-se pelos autocarros... Três da tarde pesava a tonelagem de 2666 e nem por um momento pensei em Ciudad Juárez. Aguentas bem, disse, tens aí depósito para muito mais. Depois é tanta gasolina a arder por dentro que pelo núcleo de ferro consigo magnetizar todas as lojas. Problema mesmo é nos supermercados. Bem podem os seguranças fazer-me revista. Anos à frente o céu está tão límpido que poderia ver Tróia pela Serra do Cercal. Nenhuma tempestade o impedirá. Nem o tempo acaba com os relógios.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

42.


GUILHOTINA

Ora põe aqui tua cabeça

Corta não corta
Corta

Umas horas: medo de ser ignorada, do arrasto da almofada, que fique tudo na mesma.
Umas horas: medo de perder, de um muro gigante se erguer, que fique tudo na mesma.

Corta não corta
Corta

O medo que desapareça

Talvez nalgum ajuste de contas
Só numa de alinhar a direcção perfeita
Partimos transcontinentes

Corta não corta
Corta

Roendo todas as horas
Bem podes esperar a vida inteira...

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Abel, The Man

                         
                         

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

44.


IMPOSSÍVEL

Não quereria dominá-la - nem tal passaria pela ideia
Só queria mesmo era entrar na praia
A única forma de poder apanhar a onda, aquela onda
A pura adrenalina sem vertigem
A pura da mais puta alegria
Impossível
Completamente impossível, disse-me alguém,
É que ninguém...
Pois respondo-lhe agora, prosaicamente, que pelo impossível tenho percorrido muitos possíveis
Milhas e milhas de possíveis, todas as milhas possíveis
E dentro das milhas possíveis, ainda mais milhas possíveis
Lisboas quantas? Umas tantas
Sim, tenho percorrido muita Lisboa...

Mas diz que é impossível
Mesmo
Mesmo mesmo mesmo impossível.

Calma, também não iria surfar um tsunami
Isto houve algum tremor de terra? Então calma
Calma...

Pense-se ao menos nesses alegres doidos sem bem a noção das costuras 
Como eu agora não sei do raio do comando que me projecta essa constante:
Cabeças de alfinete, formigas a descer montanhas de água
Vagalhões que nem Waimea Bay, que nem qualquer canhão da Nazaré
E essas ondas existem, se existem, elas e todos os loucos que as tentam
Depois há quem as apanhe e as surfe. Depois há quem morra dentro delas. 
Podem perfeitamente ser os mesmos. Podem haver estranhas simetrias. 
Disse-me ele então que ou são levados da breca ou são levados pela breca
Pois eu prefiro pensar que são levados pela leva valente leva
Que estão tão puramente possuídos pela euphoria versus vertigem
Que podem até citar Gilles Villeneuve, esse Aquiles em turbo: «Vida ou morte é apenas um pormenor...»
Levados da breca ou levados da leva?
Tanto faz, amigo, tanto faz... 



43.

Meu bairro Outono
cidade
passado
presente 
como cura
de vontade.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

41.

Nunca será meu amor a fazer-me perder o sentido de humor. É que meu humor nunca perdeu o sentido de amor. E a ingratidão é feia, além de mesquinha. 

sábado, 31 de outubro de 2015

40.

Nunca me tentes comandar à distância. Não vale a pena. Não me conheces as leis da física. 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

39.


BALA CANHÃO FORÇA

Diz que vai embora
Embora para melhor

Já se esqueceu como era como 
Teve de aprender tudo
Era o pior do pior do refugo
Impossível insegura 
Incapaz
Bala canhão para o olho da rua

Mas não e não e não
Salvei-a do poço aos gritos
Tive de berrar para se desviar das cobras
Ainda meti os braços na água só para o arrancar das piranhas - e arranquei a cabeça às piranhas
Assim mesmo
Lá foi ganhando confiança
Avançando no tempo
Avançando
Avançando tanto 
Avançando
Que já avançada, no tempo
Avançado
Deixou o próprio tempo ultrapassado

Verdade é que se pisgou, nariz empinado
Nem resistiu à tirada excelente 
Desabotoada em pólvora
Desejando-me força.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Personagem

Não foste tu que conseguiste, foi o personagem. Nem foste tu que o fizeste, que disseste, que aconteceste. Foi o personagem. Mas foste tu quem o sofreste na pele, na carne, no osso, nas entranhas. Quem sofre o amor és tu, quem o ama também és tu. Por certo, se levares a tampa quem se aleija também és tu. Agora alcançar, conquistar, quem consegue sempre, sempre e sempre a seu bel prazer não és tu, nunca és tu, é o personagem. Vestes-lhe a pele e então és o super-homem, o faz diz acontece, o diz bem diz mal, o redentor da lenda, o que se apura e trabalha. Apura-se e trabalha-se e mete-te a ti em apuros e trabalhos, que é o que demais te acontece na vida, meteres-te em apuros e trabalhos. Claro que depois és tu quem tem de aguentar, quem arca consequências, quem assume a responsabilidade... O personagem esse não, não está, foi não sei onde. Pirou-se. Puta que pariu. Pum-pum. Sumiu. Ou já o viste tu alguma vez na solidão? Ou quando te sentes assim triste e miserável como estás hoje? Ou quando sofres a bom sofrer do amor e desamor? E na decepção. E na frustração. Não mintas. Onde é que ele anda? Vai lá buscá-lo, vá, encontra-o, pergunta. 

Mas primeiro também deves reconhecer: sem o personagem não ias lá. Não ias lá nem ias a parte nenhuma. Nem a ti próprio ias, quanto mais. Era o ias. Não tinhas a mínima das hipóteses, fugirias do jogo. É muita areia para a tua camioneta, filho. Por mim, até acho que lhe devias dar mais chances... Sair com ele mais vezes. Tentar, ao menos, tentar. Já aguentar é que já não sei... A sofrer dessa maneira... E às tantas as dores e as dores às tantas... Ó pensas tu que é vestir-lhe a pele e o fatinho? Não, a vida não é o teu teatro. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015


- We have a right to set limits. We feel too guilty in Europe -- our multicultural tolerance is the effluent of a bad conscience, of a guilt complex that could cause Europe to perish. The greatest threat to Europe is its inertia, its retreat into a culture of apathy and general relativism. I am dogmatic in that sense. Freedom cannot be sustained without a certain amount of dogmatism. I don't want to cast doubt on everything or question everything. That's why I am also against every form of political correctness, which attempts to control something that should be a part of our moral substance with societal or legal bans.

 - Multiculturalism, with its mutual respect for the sensitivities of the others, no longer works when it gets to this "impossible-à-supporter" stage. Devout Muslims find it impossible to tolerate our blasphemous images and our disrespectful humor, which constitute a part of our freedom. But the West, with its liberal practices, also finds forced marriages or the segregation of women, which are a part of Muslim life, to be intolerable. That's why I, as a Leftist, argue that we need to create our own leading culture.

 - We are attached to our idiosyncrasies. But we have to recognize that the particular is based in a contingency, a happenstance that isn't substantial to the self. Universality is the opening to a radical contingency.

 - Individual hedonism and fundamentalism are mutually driving each other. You can only effectively combat fundamentalism with a new collective project of radical change. And there is nothing trivially hedonistic about that.

 - My answer is to struggle. Empty universality is clearly not enough. The clash of cultures should not be overcome through a feeling of global humanism, but rather through overall solidarity with those struggling within every culture. Our struggle for emancipation should be coupled with the battle against India's caste system and the workers' resistance in China. Everything is dependent on this: the battle for the Palestinians and against anti-Semitism, WikiLeaks and Pussy Riot -- all are part of the same struggle. If not, then we can all just kill ourselves.

Slavoj Žižek, aqui.

sábado, 3 de outubro de 2015

38.

É em Ambulance Blues do soberbo On The Beach que Neil Young tem aquela famosa tirada do mijar contra o vento*. Creio que foi numa sua biografia assim para o sofrível - não nesta auto-biografia recente, que diz que é excelente, e quero ler, mas de uma antiga da Assírio & Alvim - que esse foi género de remoque final à sua geração, à laia de boca a colegas, amigos, companheiros de estrada, certamente alguns dos Buffalo Springfield e Crosby, Stills, Nash & Young, e se escrevo todos é porque o próprio Young não se punha fora da equação. No que rimava um pouco com esse bastante anterior Everybody Knows This Is Nowhere em que contra euforias sessentistas o meu herói queria é voltar para casa e levar mas é as coisas numa de calma, precisamente porque, vá: everybody knows this is nowhere... Ora é assim que eu me sinto. Das duas maneiras. Primeiro a mijar contra o vento, essa é a principal, depois, a querer mas é voltar para casa e tomar as coisas numa de calma, e depois ver um filme e depois escrever aqui uma resenha ao dito cujo, o que me toma tempo que nem imaginam e serve tanto como fazer uma paciência de cartas (paciência) e nem sequer é modalidade em que eu pilote por aí além - às vezes até piloto bastante mal. Mas adiante, tenho saudades. Um homem perde vinte quilos e parece que fica mais novo vinte anos e depois parece (parece não, é) que tem de resolver coisas que não estavam resolvidas lá atrás e seguiram para bingo vida adentro qual aspirina. 

* - You're all just pissing in the wind
     You don't know it but you are
    And there ain't nothing like a friend
    Who can tell you you're just pissing in the wind

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

37.


REMO A SUL

Um grilo já se ouve aqui chamando o sul
Antecipando alegria
Antes do sul, antes do grilo
Ainda indefinida
Cá comigo ficavas, suspendia-se a saudade
Parada perdida no Alentejo
Desse dia antes depois do amor 
Que não te atingiu em Lisboa
Agora amena, pacífica, pudera, temos outra vez o grilo
Antecipando o sul, sempre e sempre
A cantilena de sempre do sempre
E não partisse amanhã seria apenas essa estranha passagem
Algo assim entre um azul e um nunca mais...
Digo eu isto agora assim meio perdido - escrevi este esboço de futuro faz quê, três semanas?
Mas agora ganhei esta absoluta verdade telegráfica 
Deste final de Setembro reza o ano de 2015
Escreverei só e apenas que há um antes 
E outro depois
Deixa lá ficar quem eu fui, não te apoquentes
Aliás pouco interessa se morri se sofri...
Até mesmo se renasci, por todas as deusas e todos os deuses
Born again coisa nenhuma
Quando passo apenas de um convertido, mesmo que nada me possa mudar. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

34.3


DA POSSIBILIDADE DE UMA ILHA

Aproximamo-nos de 1984
Mas também estamos perto de A Possibilidade de Uma Ilha
Dissoluções num ecrã, projecções sem muro
Vidas inteiras sem ninguém se ver
Clonado a nunca envelhecer
Eterno preceito da juventude
Falando entre eras sem tempo
«Sem chão a Terra já só é gás até ao núcleo de ferro fundido?»
Lá dentro, fechado, lá fora, do mundo
Lá sempre, interagindo, só mesmo interagindo...

sábado, 5 de setembro de 2015

Bixente Lizarazu




Um dos melhores defesas esquerdos da história, que ganhou tudo o que havia para ganhar, sobretudo com a sua França e no Bayern de Munique, ele que sendo nativo do país basco francês assim pôde jogar no Athletic Bilbau - clube que como se sabe só aceita bascos - o que o levaria a ser mais tarde ameaçado pela ETA  por jogar "na selecção de um país inimigo", já depois de uma saída pouco pacífica de San Mamés. Ele que, abandonando o futebol em 2006 foi dedicar-se ao Jujitsu brasileiro para logo se sagrar campeão da Europa na modalidade*. Lizarazu também surfa com dedicação, o que não significa que tenha completamente abandonado a sua ligação ao futebol, pelo contrário, parte do seu tempo dedica-o à TF1 como comentador residente. Daí que estive ontem não a mais de dois metros de distância da lenda. Que, como poderia suspeitar, faz da simplicidade, simpatia e modéstia a marca de uma atitude, grande na verdadeira acepção do termo. Eu lá ia escrevendo a crónica para o nosso humilde portal, ele comentava o jogo em directo para a França inteira, salvo as estratosféricas ressalvas e distâncias, salvo ter preferido não perder mais uma vez contra gauleses, e sem o odioso de qualquer luso complexo de inferioridade, verdade é que genuinamente gostei que o grande Lizarazu tivesse saído de Alvalade satisfeito. Foi uma honra tê-lo por perto. Do mais, deu para apanhá-lo perfeitamente: sujeito normalíssimo, sem qualquer átomo de cagança ou afectação, se emanava alguma coisa era decência e boa disposição. Há de ser um simples sobredotado, ou se quiserem a deixa, um simplesmente sobredotado. Também espero que tenha por cá surfado umas boas ondas. Lá boa onda tem ele. 


* - Em Lisboa, pelos vistos dá-se bem por cá.

Precisar

Nunca aprendes, filho. Tudo o que precisas já tens. Teu grande problema - e mete isso na cabeça de uma vez por todas - é essa tua mania de precisar, sobretudo de precisar do que não precisas sequer para precisar. 

Telemóvel...


Michel Houellebecq em O Rapto de Michel Houellebecq.

- Não fazes nada, aborreces-te e alguma coisa vai acabar por acontecer na tua cabeça, as ideias vêm. As palavras vêm do vazio. 
- E consegues criar o vazio?
- Sim, mas tem de se ter as condições certas. Por exemplo, não vais escrever um livro agora porque esperas uma chamada e isso inquieta-te...



ELLA REINA SOBRE TODAS LAS DESTRUCCIONES

Qué me lleva hacia ti.
El sueño que se convierte en pesadilla.
El rumor del mar y de las ratas
En la fábrica abandonada.
Saber que después de todo estás allí, 
En la oscuridad. Sola y con los ojos abiertos.
Como el pájaro leproso, el pájaro cagado
De las historias de terror de nuestra infancia.
Firme. No: ondulante, como las luces
Más allá del bosque, más allá de las dunas.
Las luces de los automóviles
Que toman la curva y luego desaparecen.
Pero tus ojos no son como los ojos
De los conductores. Ellos
Se deslizan plácidamente hacia el hogar
O la muerte. Tú estás fija en la oscuridad:
Sin luces ni promesas. Las ratas velan tu mirada.
Las olas velan tu mirada.
El viento que levanta remolinos en los linderos
Del bosque me llevan hacia ti: apenas
Una señal ininteligible en el camino de los perros. 

Roberto Bolaño, em La Universidad Desconocida, ANAGRAMA - Narrativas hispánicas



A little room on 7th street is getting cold
And secrets sing like mescaline
They don't get old
I saw a pattern on a blanket just the other day
It looked just like the pillow you threw away

terça-feira, 1 de setembro de 2015


OUTRA DIVAGAÇÃO

Onde estão os que o silêncio oculta?
Pergunta ao silêncio, se for a tua hora,
e com seus lábios o silêncio te falará.
Ao silêncio não podes responder-lhe
se não for com o silêncio que tu sabes
onde encontrar. Aí o silêncio habita
e neles estão os que o silêncio ouviram. 

Fernando Ortiz em Poesia Espanhola de Agoratrad. Joaquim Manuel Magalhães, Relógio de Água, 1997

sábado, 29 de agosto de 2015

Sopa de Pedras


- Se a esquerda me cerca entre a espada e a parede, então sou de direita, pela esquerda.  

- Ouvido em Sete Rios:«antigamente tínhamos amigos imaginários, agora, graças ao facebook, imaginamos amigos...»

- Perguntaram-te de certeza se eras tu. Responderam-me de certeza que eras tu

- Exactamente, Tarantino:«They might be a drag for a moment, but after that moment is over, it always ends up being gasoline to my fire.»

- Por eles melhor nem apareças. Nunca digas nada. Já o viste, aliás. Muito vulneráveis, vulneráveis, mas depois espetam-te um longo ferrão pelas costas. Iam agora impressionar-se com um elefante numa loja de porcelana, do mais quando não há loja, não há porcelana, e o elefante não passa de um brinquedo comprado num qualquer palácio da literatura. 

- Nunca se encararam como irmãos, até agora. Mas eis que tem gente que espera que a birra dure a vida inteira. Minando os caminhos. A vida inteira.

- Portugal é um alçapão. Há muitos, há piores, mas é um alçapão, uma armadilha, muitos dos nossos grandes a quem tanto devemos fatalmente chegaram a acreditar nisto, tramaram-se. Tivessem ficado bem longe... Que em Portugal, bem sabemos, se se é ignorado, é se ostensivamente ignorado. Porquê? Suspeito de um filho de um jesuíta.  

- É necessário treinar a primeira de mão a partir do momento em que as ideias nunca mais param de pular umas sobre as outras. Não nos podemos dar ao luxo - nem o luxo se pode dar a nós - de queimar tempo com esse criado que nunca foi criado na vida. Depois há o José Cardoso Pires

- BOLAÑO«La literatura se parece mucho ala pelea de los samuráis, pero un samurái ni pelea contra otro samurái: pelea contra un monstruo. Generalmente sabe, además, que va a ser derrotado. Tener el valor, sabiendo previamente que vas a ser derrotado, y salir a pelear: eso es la literatura.»

- Sair de um casulo, palmilhar terrenos, ganhar palmos, jardas, percorrer baldios, aguentar porradas.

- Fosse aluguer de afectos,  ganhava à comissão.

- Vai pelo frio, vai, arrefece à vontade, por quem sois, mas depois, depois, depois, olha, não te estou a guardar lenha para o Inverno...

34.2

Nesse tempo em que lias, lembras-te? Ou era da escola? A mim até deu jeito, apanhaste-me a jogada de um chico-esperto, essa cena que vinha decalcada de Os Maias, essa cena, lembras? Ou desses tempos em que sabias melhor quem era o Zizek, que eu precisei relembrar-te a partir de um cappuccino que bebias. Ora pois, enfim, é como esse teu antigo prof que calha ser um dos meus colunistas preferidos. Faz parte da tua realidade, quem diria? Mais que da minha. Falas nas aulas, no estímulo, no interessante, uma maravilha, imagino, mas há quantos anos não lhe lês um artigo? Mal sabes que estão à borla na net, posso contar dez anos desde a última vez que compraste um jornal. Certo? Não, agora não, estou a falar com as minhas amigas. Todo o tempo? Não. Não? Não. 

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Adenda




Das leituras melhor ler aqui. Ou aqui.



A experiência interior é doravante interdita, pela sociedade em geral, e pelo espectáculo em particular. Falava em assassino. O que eles chamam imagem está a tornar-se o assassínio do presente.


Só os seres livres podem ser estranhos uns aos outros. 









Ingenuidade On The Record

É bom ter escrito num caderno do antigamente toda a minha passada ingenuidade que eu gosto da minha ingenuidade bem passada. Nem vale a pena passar a limpo. Está aqui. À minha vista. A comparar o que veio a seguir. Servido como prova testemunhal lírica. És um lírico, diz assim. Que assim fica. Que assim fica bem. Dividido o quintal em duas partes. 

terça-feira, 25 de agosto de 2015

+ -

- O insuportável cinismo de hoje por vezes é quase incomportável, irrespirável, absurdo. Mas pior mesmo é seu péssimo aspecto, pestilento, de matar tudo à roda, mesmo assim, coitados, mal se aguentam.

- A vulgarização, a relativização, o fingimento, o lado onde durmo melhor, a falta de reciprocidade, a politiquice pessoal, a falta de sentido de lealdade, de risco, etc. Tudo ajuda: separa-se o trigo do joio, dá-se consistência ao estar nas tintas - nada de deitar fora, até pela qualidade da tinta.

- Só perdes o teu tempo fazendo-me perder tempo. 

- Não podemos escolher o momento. Não é possível medir o incalculável.

- Para reescrever, mais que para escrever, é preciso o cérebro bem ligado. É necessário destrinçar a asneira do pormenor. O motor de captação precisa muita luz, gasta muita energia.

- Lá porque nunca te julgue não quer dizer que te aprove. Lá porque a sentença é não culpado, não quer dizer que sejas inocente. 

Bolito


1 - Compra a droga barata para a vender estupidamente mais cara. Lucríssimo garantido. 4000%? Fosse assim tão simples "bastava" não haver escrúpulos. Não, condição primeira: é preciso não haver praticamente nada que não se seja capaz de fazer, passo necessário para se singrar na jogada milionária instantânea e não ser tragado pela inumana mortífera máquina trituradora. Quatro mil mortes por ano em Ciudad Juárez? A CNN diz que são cinquenta mil só em seis anos, no México. Sobretudo mulheres, na sua maioria jovens, o que dá uns bons milhares de adolescentes raptadas nessa ficcionada Santa Teresa de 2666 de Roberto Bolaño, mas bem real Ciudad Juárez, só para a incomensurável fortuna ainda juntar outro milionário quinhão com esses snuff films e não haver mais palavras descreverem o horror. 
Fosse "só" a maldade pura da besta humana. Não, há um sistema que a alimenta, há um sistema que dela se alimenta. Citando esse ficcionado Westray (Brad Pitt) pela pena bem real e precisa de Cormac McCarthy: pensa nisso quando snifares a tua próxima linha de coca.  

2 - Falemos então no lucro. Onde ele começa, na Colômbia e cercanias. Primeiro é preciso afastar a concorrência. Para pôr lá o dinheiro é preciso um exército, um álibi, ou um especial conhecimento, ou uma empresa, ou se não ter nada a perder, ou ser-se cego das ideias, ou ser-se um doido varrido... Ou então é pagar aos pontos, ou seja, aos subornos, suborno por suborno, a profissionais, o que sempre é menos arriscado. As águas estão cheias de piranhas, crocodilos, também haverá lobos em pele de cordeiro. Voltemos a Westray: Soubesses quem está metido nisto ficarias muito surpreendido, muito surpreendido...

3 - Tudo porque surgiu na jogada um (Michael Fassbender) relativamente civilizado e charmoso aventureiro endividado de gostos caros, razoavelmente bem sucedido e cheio de auto-confiança a tentar fazer a sua abordagem ao mercado. Tão brutal automático instantâneo colossal lucro servem-no para acreditar que vale a pena correr o risco. É avisado, zomba do aviso. Sente-se um ser nobre (e superior) que se está a propor a uma empresa, a uma aventura, com uma ideia vaga do mal mas sem fazer do mal a menor ideia - do mal absoluto muito menos. Desconfia-se que esteja à altura, é prevenido que não o faça, o que o desconforta. Está nessa, claro que está nessa. A fasquia inebria, encandeia a vista, como o mais raro dos diamantes que compra a um joalheiro judeu em Amesterdão (Bruno Ganz). E no entanto... É preciso manter as aparências, o trabalho legal de advogado. Pensa nos mundos separados, nem faz ideia de quem seja a madre de todas las madres. 


4 - E como a Terra é um organismo vivo, lá no mar alto, ou nem tanto, lá se vai formando o tsunami, pois que (no) entretanto o chão tremeu. Tremeu? Foi, nem se sentiu. Valha a verdade que tudo não passou de uma coincidência, nem sequer houve descuido. Coincidência, palavra que não existe no narco-dicionário. Westray: «Eles não acreditam em coincidências, já ouviram falar delas, só não viram é nenhuma». Ora bolas. Nem a volta de aquecimento está dada e já se está fora da corrida. Pior que isso, muito pior, talvez até já se possa pensar no célebre abismo de Nietzsche como um sonho impossível comparado a um buraco negro onde da gravidade nada escapa. Não serve de nada. Westray: «O problema maior não é caíres em desgraça, é quem levas contigo...» 

Lágrimas pelo grande amor (Penélope Cruz), de nada lhe valeram os diamantes, capturada que foi para a produção paralela industrial e milionária do horror que acaba com milhares de mortas numa lixeira, sem cabeça, como todas aquelas milhares de jovens e adolescentes raptadas em Ciudad Juárez. 

5 - Para quem ainda não sabe ou adivinhou, este texto vem no seguimento do tão válido como execrado "The Counselor" de Ridley Scott, vomitado por incapazes em todo o seu pós-moderno cinismo de sequer nomear a urgência do interesse em questão. Não, não é nada bonito e agradável de se ver. Pelo contrário. É se como que atropelado, e o crítico de pena triste acha-o um acto rude, uma desfaçatez, que não vinha nada sinalizado. Como li algures, não consigo agora localizar onde, "The Counselor" esperará a morte do realizador e quiçá mais uns bons aninhos para se tornar um filme de culto. É só umas tantas coisas do agora expirarem o prazo de validade. 

sábado, 22 de agosto de 2015

CTRL F

Um dos efeitos colaterais das novas tecnologias - e eu nem devo ir muito por ali, que sou um tanto ou quanto cada vez mais anacrónico - para um desorganizado como eu, é a inerente insistência no comando Control F em cada palavra de um texto e/ou qualquer esconderijo que seja do meu computador. Cá está o problema colateral, voilà: saiu do computador. Por exemplo agora, em que não encontro o raio da chave de fendas, coisa que nunca uso, como também nunca me aconteceu o estore da sala subir todo para dentro da caixa... Eu não pedia mais nada, renunciava a qualquer uma de todas essas únicas tecnologias, a qualquer tablet ou smartphone ou kindle que nunca tive, mas um CTRL F, um CTRL F acoplado às coisas da minha casa, isso sim, seria verdadeiramente entusiasmante, algo do absoluto extraordinário. Haja alguém que me ajude. A primeira parte da obra aliás já está feita, inserida que foi na minha cabeça, qual chip enxertado pela sua própria realidade. Verdade é que está lá. O outro dia abri o armário da cozinha à procura de um anti-inflamatório e a primeira coisa que me perguntei no pensamento sonhado mais rápido que a realidade, foi: o que é que se passa com o CTRL F? Tinha bem escrita a palavra Flameril...

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

36.

«A casa dele não tinha nada, só água e vinho engarrafados, velas e candeeiros a petróleo. A casa de banho era um género de torre, lá fora, alta, parecia a torre de vigia de um forte medieval, ou então aquelas torres romanas no Asterix, havia um banco, onde te sentavas, e era o da sanita, tudo a céu aberto, maravilha. Cagar a ouvir os pássaros e a ver o campo. Depois havia ganzas a monte. O Saul estava sempre a dar bafos no seu cachimbo de água e era um bacano porque representava sempre, sempre. Dava um bafo e passava-to logo. Andava sempre com a touca e eu também nunca vi ninguém ao pé dele que não estivesse com a touca...»
Ricardo, envergonhado, bateu-lhe forte na perna. Apesar de tudo e de todos os atenuantes aquilo não era conversa para se ter na polícia. Rómulo não estava minimamente chocado - nem sequer Carlos Silva -, do mais, como homem das ruas, sabia do jargão todo e mais algum. Também já lhe acontecera ter de dar bafos em cachimbos de água. Coisas do jogar infiltrado.
«Continua Marco. Estávamos a gostar de ouvir.», disse Carlos Silva.
«Não volto para lá. Não dou mais para aquela maradice.»
«Explica lá melhor o que era a maradice?», perguntou Rómulo.
«A maradice era a quantidade de droga que os freaks tomavam. E ácidos e quê. Alguns eram mesmo marados. Houve uma vez em que um teve os velhos a virem da Alemanha para ali só para o irem buscar. O chaval já tinha quarenta anos. Há mais cerveja?»
Carlos Silva deu-lhe uma lata de cerveja. 
«Depois havia os mamados. O Saul também era um bocado mamado, se bem que o Saul é outro andamento, outra onda. A mulher dele é que era completamente mamada.»
Riram todos. Sabiam o que o Marco queria dizer, mas não puderam evitá-lo. Mamado pela língua estava ele. E Carlos Silva entrou ainda mais por ali adentro:
«O que é o Sr. Marco quer dizer quando diz que a mulher dele é completamente mamada?»
«Mamada quer dizer agarrada. Viciada em heroa, quer dizer, em heroína. Desculpem.»
«Não ligues a advogados, continua.», disse Rómulo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

35.


- Tanta coisa com o facebook. Depois ninguém lê, está no facebook. Então lê no facebook.

- Tudo é imediatamente tomado em possíveis impossíveis segundas terceiras intenções. Há sempre um plano palmado, estás a ver? Selfie de vida a nossa, que nunca nos faltem os retrovisores.

- O ditador é sempre o senhor da contabilidade, não que perceba de contas, mas percebe de castas. 

- Dias de marés vivas, prenúncios de mudança de estação? Pois, pois. Todos os dias. Vai muito não vai nada. Vem chega não vem foge. Todos os dias. Maré muito alta ou maré baixíssima. Então à noite... quando baixa aquela hora... a maré recolhe tanto que quase me deserto.

- Lobo solitário? Para já não é lobo. Nem dele nem de ninguém. Solitário? Bem, adora estar sozinho muito mais do que detesta estar sozinho - mas tantas vezes detesta estar sozinho, nem fazes ideia... Mas vai ver a qualidade do seu pêlo, não é pêlo de solitário, pêlo de solitário é mais áspero, nem se compara, o que este tem é uma característica semelhante que confunde bastante: não aguenta que o puxem - sai todo, que o esfrangalhem - é alérgico a chatos. 

Esquece, mas não te esqueças de esquecer. 

- Começas a objectivar o que não gostas. Seus porquês. Descobres coisas assaz interessantes. Da presunção ao saloio pedantismo, não saberias o que era não fosse o sabor amargo, esse ranço pretensioso, perfume por cima do cheiro, não fosse o cheiro o verdadeiro perfume. 

- Era falsa a afirmação mas soou sobretudo verdadeira, sobretudo porque era muito mais verdadeira, com muito mais verdade do que se tivesse sido de verdade.

- Furou a parede? Foi um acidente. Era só fachada. 

Barriga Cheia

Exactamente, pensava, dás-te bem com toda a gente. Há aqueles tipos que lavam dinheiro e és grande amigo, há os outros do grupo da fraude fiscal, e és grande amigo, há aquele outro que é empreiteiro para aí de metade das obras em Lisboa e vive ali mesmo no Hotel Sheraton e até deves ir almoçar com ele muitas vezes porque és grande amigo... Depois, como dás-te bem com toda a gente, também estás metido em causas sociais, ajudas instituições de caridade, vais a almoços com os velhos amigos da política, do sindicato, com os velhos amigos maoístas, que alguns deles até deram políticos e têm poder, ou deram colunistas fundamentalistas com poder. Depois há os outros amigos, os amigos de sempre, os melhores amigos, como o Chefe, os amigos sem amigos... 
Perdido em seu devaneio, Rómulo só apanhou a parte final da frase: 
«Mas se queres que eu fale dela, eu falo. Já não falo é de estômago vazio.»
«Siga. Gosto de ouvir-te falar de barriga cheia.»



Primeiro o desenho. A forma do desenho. E de desenhar a realidade. A Nova Iorque da Primeira Grande Guerra. As influências são óbvias. Pensamos, por exemplo, no Era Uma Vez na América de Sérgio Leone. A banda sonora grandiloquente bem pode remeter-nos a Ennio Morricone, o que assim como assim, já nos começa a remeter demasiado. James Gray não merece que se apague uma pontinha do seu mérito. Ele é que arrisca a valer, ele é que cria, executa e concebe magistral e superiormente aquele portentoso cinema. De filme para filme, Gray tem vindo a apurar, mesmo que o primeiro Little Odessa tivesse o fulgor extremo de um tiro de partida, longe de ser superado pelos seguintes e muito bons The Yards, We Own The Night, Two Lovers... Mas eis que chega este The Immigrant, quem diria, de longe, a sua obra maior, a obra-prima, o soco no estômago. 
Todos os filmes de Gray são fortes no melodrama e na tragédia, na força do enredo e dos personagens, The Immigrant, contudo, completa-se em si no circulo superior da força que nos esmaga enquanto nos comove. A matéria essa é tão densa que parece impingir-se em número nas próprias moléculas da realidade. A ciência da trama prova, no entanto, que nos limites das piores armadilhas e alçapões é possível, enfim, a redenção. A religião pode ou deve ser para aqui chamada, faz parte da vida. 

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Rascunho 666

Em 666 posts ao todo neste blogue tenho publicadas 458 entradas e 209 são supostos rascunhos. De vez em quando assusta um bocado olhar para dentro de um subterrâneo.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

34.1


Certa noite estava lá eu metido no estúdio e vi dos bastidores essa ideia romântica que já pouco se sente nos dias de hoje. A de rádio nocturna, de noite, de rádio, transmitida do estúdio pelas ondas aéreas do céu nocturno até às casas da cidade, de um país ou de um continente inteiro. Tom Waits... Leonard Cohen... Holy Cole... Billie Holyday... Dois apitos para as duas da manhã. Pink Floyd? Pink Floyd... Dire Straits... mais tarde Né Ladeiras... Louis Armstrong, era o que era, lá na sua coerência ou incoerência o locutor prosseguiria mas sempre nos limites do gosto, amanhã seria outra coisa, a voz, a voz não sei se bebia pouco, se bebia muito, se bebia de todo, trazia-a levemente decorada a whisky puxando a sela o cowboy solitário. Encorpada, terna, cheia de personalidade na sua conta, peso e medida, apenas o certo tom certo pronto para o afagar sem dar nas vistas, mas nunca mesmo nunca deixando de tentar inebriar o outro, esse ouvinte desconhecido da noite. Auxiliando a insónia, mantendo alerta o automóvel de qualquer longínqua estrada ou auto-estrada vinda de Viana do Castelo ou tanto faz numa esquina em Oeiras. Partilha de solidão, não solidão de partilha. Pode ser só o som de uma voz, ou apenas música som sobre a noite na Terra, dispensa o par, suspende-nos no ar, define-se bem a onda hertziana. A mim chegou da infância a ouvir rádio pela noite nas viagens de carro com o meu pai, ou já mais para a frente numa tenda de campismo acima da caruma dos pinheiros, de mansinho ouvindo do leitor gravador Sanyo sentindo a textura do saco-cama. O que não dá com rádio que não presta [deixem os maus rádios fora disso], rádio que não presta não é rádio, não fixa, nem o momento quanto mais a memória, nem uma memória que seja, nada, fixa nada... O problema da rádio, o grande problema da rádio, é mesmo só mesmo o esquecer-se de si própria. É o que acontece de dia, cada vez mais, em quase todo o lado, até ao dia em que todas as memórias de todas as memórias de rádio apenas se fixem na memória de um dia ter havido no planeta tal singularidade transmitida em tais singulares aparelhos... Agora de noite, de noite é mais difícil, a noite ainda é a última barreira, a guarda pretoriana, de noite a rádio ainda encontra o seu último refúgio, o porto de abrigo das tempestades, a estalagem perdida na Antártida, a abrigada hospedada zona de recolha e silêncio onde uma voz no ar ainda nos pode servir de farol no oceano da noite.