quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Outros Parêntesis




Roberto Bolaño tende a agarrar seu universo - escritores, vivências, literatura, poesia, política, obsessões, Chile, México, afectos, terrores, admirações, ódios de estimação, etc, etc - em seus pontos fortes. Sem ilusões, porém, mesmo que a energia, entusiasmo e forças saibam elevar esse mesmo todo às alturas desse mistério salvífico e/ou destrutivo que é a Literatura. "Entre Paréntesis" (Anagrama) mostra esse seu universo vital em mais de 300 páginas de ideias, pensamentos e linhas de força que se encontram também presentes em seus romances (a maioria dos personagens, diga-se). Como se essa escrita sobre escritores e literatura - aqui em ensaios, artigos e discursos - juntássemos pois os pesadelos do mundo contemporâneo e também os sonhos, nesse sentido borgiano do termo, onde o sonho (ou pesadelo), a poesia e a ficção se confundem e emaranham em seus intrincados labirintos. Claro que Jorge Luis Borges iria mais longe em toda a linha entre o sonho e a realidade, mas isso é toda uma outra conversa.

Roberto Bolaño não viveu a fama em vida, nem menos trabalhou em bibliotecas - muito menos na infindável Biblioteca Nacional de Buenos Aires. Pelo contrário, durante uns bons anos na Catalunha, livros "novos" só mesmo emprestados de amigos ou alugados, claro está, em bibliotecas. Também passava fome. Chegou a viver isolado com seu cão numa casa num bosque, qual eremita desterrado. Seriam os tempos da poesia (a preparar uma séria transição para a prosa) culminados pelo inicio da troca de correspondência com o conhecido poeta chileno Enrique Lihn, que de tanto, não apenas o ajudou a um reganhar de voz e confiança, como iniciou a divulgação da sua obra extraindo-o do anonimado e isolamento num país estrangeiro.

Chegada nos inícios da década de 90, a paternidade fez Bolaño jogar as fichas todas. Romances escritos, uns atrás de outros, em catadupa - romances foram oito, a somar aos livros de contos. Era preciso garantir a sobrevivência do filho, Lautaro Bolaño. Mas não só, com uma rara doença de fígado diagnosticada, o escritor teria a certeza ou quase dos dias contados e cada vez mais comprimidos. Na verdade, é impressionante a quantidade de produção literária possível em tão poucos anos, menos de uma década. Arrisco dizer que os livros já os teria dentro de si - muita leitura, muita escrita, muita vida vivida, muita aprendizagem, muita crise, muita penúria, muito sofrimento, muito trabalho, muita disciplina, muito combate, muito risco, muito pôr-se em causa. Por outro lado, numa de duas entrevistas, as únicas que Bolaño deu a televisões - porventura canais chilenos - este mesmo referiu, que sem estrutura que o sustentasse, seus livros chegariam facilmente às mil páginas. Verdade ou mentira, o certo é que 2666, a sua obra maior, até extravasa a conta. Os tais dias contados é que nem por isso. Essa espera infindável por um transplante que nunca chegava e cinquenta anos de vida e tanta literatura ainda para dar. Uma literatura que, presumo, muita falta faria a este tempo. Uma literatura sem magias de fadas mas de palavras bem marteladas. Esse escrever o que há para ser escrito quando é para ser escrito, como o que se encontra neste poema póstumo, encontrado entre papéis: 

Rechazos de Anagrama, Grijalbo, Planeta, con toda seguridad también de Alfaguara, Mondadori. Uno de Muchnik, Seix Barral, Destino... Todas las editoriales... Todas las editoriales... Todos las editoriales... Todos los lectores...
Todos los gerentes de ventas...
Bajo el puente, mientras llueve, una oportunidad de oro 
para verme a mí mismo:
como una culebra en el Polo Norte, pero escribiendo.
Escrebiendo poesía en el país de los imbéciles.
Escribiendo con mi hijo en las rodillas.
Escribiendo hasta que cae la noche
con un estruendo de mil demonios.
Los demonios que han de llevarme al infierno, 
pero escribiendo.