sexta-feira, 8 de novembro de 2013

7.

Noite funda. Lua nova deslumbrante de estrelas, um festim de pontos luminosos e aquela luz nebulosa da galáxia que conseguimos ver no campo. Estou numa roulote e num monte alentejano, a ocidente vejo uma luzes que podem ser de São Teotónio, do Almograve ou da Zambujeira, não sei, sempre são à volta de trinta quilómetros, e um riacho que sei lá em baixo torna a distância mais remota. Não sinto frio nenhum, mesmo que a minha urina parece mais chá acabado de ferver. É um ritual que farei mais três vezes, a mijadela, não o chá. O acto de sair da roulote (pôr mais uma camisola, mais um casaco, subir o capuz do casaco, calçar-me novamente) pede alguns poucos cuidados. É que não tenho vontade nenhuma de me engripar logo no inicio dos quatro estupendos dias que se seguirão. Não deixa de ser um desafio. Dentro, mesmo com um pequeno calorífero, parece mais frio que fora, entra corrente de ar, se não é por baixo, é pela fresta norte, se não é pela fresta norte vem do tecto, se não vem do tecto é defronte aos pés deitados, espirro e ainda são duas da manhã. Melhor prevenir, vestir o casaco outra vez, usar do capuz, apertar o cordão ao dito e logo o frio desaparece. Que a cabeça protege todo o corpo posso eu constatar. E também posso tirar uma das camisolas de lã, ficar só de T-shirt, casaco e capuz. Excelente. Nem frio pelos pontos cardinais, o chão quietinho, o tecto pacífico. Posso ler à vontade. Frutuosas horas de “A Amante Holandesa” de José Rentes de Carvalho que não me deixam dormir e me levam até ao amanhecer. Não aquele amanhecer súbito, mais de Verão, onde o sol tudo ilumina em meros segundos. Este levou tempo, lento e discreto como o Outono. Antes, um avião que normalmente passa mesmo por cima de mim na Estrada dos Prazeres por volta das 06h35 e aqui passou bem mais alto, eram 06h15, o que tem certa lógica, 15-20 minutos de aproximação a Lisboa e à pista da Portela. Ouvia-se o suficiente para que se me interrompessem os balidos das ovelhas de um rebanho perto, ou dos galos que cantam para aí desde as cinco da manhã. Galos não, mas ovelhas vinham no romance, pois que a páginas tantas o narrador passeava pelos campos ao lado do amigo Gato, aquele personagem, o pastor cheio de sonhos. Perfeito. Tudo a bater excepto o sono, menos mal, não fosse isso e não haveria todo este espectáculo inesperado e simultâneo, vivo e ao vivo, sem hora e sem preço. Pior foi por volta do meio dia, quando o meu irmão me acordou. Mas levantei-me sem hesitar para um extraordinário dia de ócio. Estava sol e calor, acreditem. De noite dormiria pois, nove horas e meia seguidas, vestido, sem capuz e sem ver o nascer do dia. Como que desfalecera em consciência. Nenhum desconforto me vence o cansaço, falo do cansaço são e salvo, do que não se cansa a si próprio.