quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Winesburg, Ohio




Winesburg, Ohio tocou-me e de que maneira. Para tentar pôr as coisas em perspectiva devo dizer que ao nível do conto só lhe encontro paralelo em Chekhov. Mas Winesburg, Ohio não é só livro de contos, é também um romance, se calhar o mais apropriado é chamar-lhe romance de contos. O que não chega porque o que dele prevalece e predomina é o Conto. Independente na sua forma e estrutura, é ele que intervém e interdepende no universo ficcional da também ficcional Winesburg, no Estado do Ohio, no horizonte temporal que culmina na maturidade do personagem (alter-ego?) George Willard  e seu consequente pirar-se dali para fora. 
Winesburg, Ohio explora o conto na sua capacidade literária, tratamento dos meandros, no poder de síntese, nas suas valências descritivas e temporais. Mas também é romance no seu todo, no conjunto de todos os contos, qual super-ego a unificar toda a multitude criativa e formal em roda do personagem George Willard e das vidas que de uma forma ou de outra com ele intervieram naquele fim de mundo com pouco mais de mil habitantes e uma main street que termina na estação de comboios, ponto de partida e comunicação com o mundo daquele minúsculo lugar perdido no Midwest. O ultimo conto é disso o melhor exemplo: George Willard presta-se a partir - e todo o conjunto unifica-se num todo e os contos lidos mais se parecem com capítulos -, entretanto o comboio arranca, Winesburg para trás, pouca-terra, pouca-terra, uh uh, o leitor com pena de não poder continuar, George marimbando-se todo contente...

Winesburg é baseada na Camden natal de Sherwood Anderson. Em literatura esta cidade e suas cercanias são feitas da gente comum com seus dramas, tragédias, idiossincrasias, erros, azares, comédias*. Lembramo-nos de Chekhov no seu efeito de lente de aproximação ao ser humano, permitindo ler no mais banal dos sujeitos o heroísmo feito de luta surda e desenfreada; a riqueza humana paredes meias com a fatalidade e tragédia invisíveis. Realismo esse que é atenuado pela forte vertente alegórica do livro. Ou vice-versa, pois às vezes temos o alegórico limado por gente de carne e osso. Há quem veja aqui a influência do outro grande herói literário de Sherwood Anderson: Mark Twain.


* - o único conto propriamente cómico faz jackpot, tão estupidamente bom como os outros,  é de levar as lágrimas aos olhos.