quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Última Novidade: Adeus


Sem clichés que o sustentem, o último dia da Terra será muito do dia de hoje, deste "eterno presente" em que parecemos viver de notícia em notícia e de novidade em novidade sem que olhemos com olhos de ver o que se está realmente a passar. Primeiro distraídos, depois surpreendidos pelos acontecimentos, depois apanhados na curva. Em "4:44 O Último Dia na Terra", Abel Ferrara tenta retratar um possível fim do mundo com uma lucidez despojada de trejeitos e uma visão incisiva deste tempo em que indiferentes vemos o mundo a piorar a olhos vistos num encolher de ombros. Ferrara é sarcástico com a nossa indiferença, com a atitude do deixa andar, e sincera ou deliberadamente, não consegue ver bem como que é as coisas seriam muito diferentes no último dia na Terra. Realisticamente imagina cada um com o seu enredo, os mais sensatos ou humanos na companhia dos (mais) próximos, outros em em pânico, outros em negação, um que se mata, outro que partilha um naco de carne com o cão, outra que se quer enrolar, outros que se enrolam, outros muitos suspensos no Skype para as derradeiras despedidas. Como o distribuidor de comida chinesa ao domicilio que pede só que o deixem lá ir para despedir-se da família no Vietname, e pela câmara e pelo ecrã conseguimos ver todos eles, três ou quatro ou mais, encafuados sobre o computador. 
Há quem escreva que com  "4:44 O Último Dia na Terra" é a despedida de Ferrara de um mundo seu que já não existe. Não há como desmentir. Sempre é mais elegante escrever isso do que sobre aquilo que a obra trata realmente. Algo bem mais importante que toda uma possível conjectura de pose artística ou lá o que for que soe bem numa crítica. Será Abel Ferrara um ser humano tão diferente de muitos de nós que enquanto usam e abusam da internet se assustam e angustiam com todos os seus perigos e devaneios? Será Abel Ferrara um ser humano assim tão cínico que não tenha dito sobre este filme que "the bottom line in this film is about men's destruction of the earth as a metaphor of man's destruction of themselves, (...) it's on us, it´is our responsibility, it's we did it, this is an act of men, so everybody in this film, every character, has to face it."  
"4:44é um grande filme como "The Funeral", "Bad Lieutenant", ou "The King of New York" são também grandes filmes, cada um à sua sua maneira. Este tem a particularidade de ser o mais lúcido de todos, e talvez o mais necessário e urgente, arrisco até dizer obrigatório. Ferrara diz que só se fica melhor com a idade . Por ele aposto que sim.