quinta-feira, 8 de março de 2012

O Palácio


O palácio não é infinito. Os muros, os terreiros, os jardins, os labirintos, as grades, os terraços, os parapeitos, as portas, os corredores, os pátios circulares ou reccâmaras, as alcovas, as bibliotecas, os desvãos, os cárceres, as celas sem saída e os hipogeus não são menos numerosos do que os grãos de areia do ganges, mas o seu número tem um fim. Das açoteias até ao poente não faltará quem aviste as carpintarias, as cavalariças, as oficinas e as cabanas dos escravos. Ninguém é dado percorrer mais do que uma parte infinitesimal do palácio. Alguns conhecem apenas os subterrâneos. Podemos aperceber-nos de umas caras, de umas vozes, de umas palavras, mas tudo de que nos apercebemos é infimo. Ínfimo e ao mesmo tempo precioso. A data que o aço grava na lápide e que os livros paroquiais registam é posterior à nossa morte; já estamos mortos quando nada nos toca, nem uma palavra, nem um anseio, nem uma memória. Eu sei que não estou morto.


Jorge Luís Borges, O Ouro dos Tigres (1972), Tradução Fernando Pinto do Amaral, Obras Completas II 1952-1972,  Círculo de Leitores, Outubro 1998, p.513