terça-feira, 6 de março de 2012

Le Havre



Passamos as duas horas de "Le Havre" deliciados e um pouco mais esperançosos por ainda existir quem filme assim. Só alguém com a liberdade de Aki Kaurismaki - tão dentro da respiração da sua arte, das suas leis, ritmos, tempos de maturação - pode chegar a este Cinema. De um despojamento, humanidade e candura desarmantes. Com os personagens ao nível do filmado: dignos, sólidos, éticos, consistentes.  Personagens como o velho Marcel Marx, a sua dedicada esposa estrangeira, a intrepida criança africana, a leal barmaid, o distraído e simpaticíssimo merceeiro, a vizinha amiga e solidária, o inspector policial com a sua ética muito própria a marcar a diferença. Todos constatando, na saga da criança imigrante ilegal, o fascismo destes tempos . Sem choradeiras neo-realistas - Aki Kaurismaki chegou a mesmo dizer em entrevista que o realismo no cinema não passa de melodrama - não fosse o realizador finlandês um fruidor, um amante da boa vida, dos lugares, dos copos, das conversas. Sofredores sim, mas com estilo. Até porque é nas margens que este cinema encontra a vida, a autenticidade, alguma verdade.