quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Habemus Papam




Nanni Moretti é verdadeiramente o que se pode chamar um tipo decente. De finíssimo humor, é culto, despretensioso, afiado na critica, sarcástico, exímio na arte da ironia, entre demais extraordinárias qualidades que o tornam absolutamente essencial em todo este terrífico panorama presente. Depois tem outra particularidade que junta ao seu lúcido esquerdismo militante: é assumidamente ateu. Em “Habemus Papam”, Moretti presta-se a fazer um filme à volta da eleição de um Papa.
O Papa recém eleito (Michel Piccoli) vacila perante o peso da responsabilidade que subitamente tem perante si e a sua vida. Não se sentindo à altura da colossal tarefa que tem em mãos, o Stress, o pânico e a depressão tomam conta dele, Moretti é o psicanalista incumbido de tentar fazer qualquer coisa. Eis o ponto de partida de "Habemus Papam". Espera-se uma “psicanálise” ao Papa eleito, mas a situação digamos que é adiada, o Papa foge e desaparece em Roma, de onde vive sua crise existencial paredes meias com um quotidiano mediático que discute hipóteses e cenários perante o que realmente aconteceu ao novo Papa. Enquanto isto, em pleno Vaticano e à falta de melhor, Moretti, cardeais e não só, vão aguentando o impasse o melhor que podem e sabem. Daí chegam insólitos momentos de comédia como o recolher aos aposentos antes de dormir, os jogos de cartas, ou um campeonato de voleibol a fazer lembrar o jardim escola. Lá fora, o Papa eleito está mais virado para o teatro de Tchekov. Perante isto, o final soa um pouco apressado, rebuscado até. De qualquer forma, a verdade é que o Papa não está nem pronto nem a ponto, não poderia estar, não há milagres, mesmo que inadvertidamente se busque no filme alguma "transcendência divina", mesmo em se tratando de uma comédia de um céptico ateu de esquerda. Mas Nanni Moretti não está ali para enganar ninguém. Na verdade, escolheu o final que escolheu, fez o filme que bem quis e os dois inconciliáveis mundos ateu e católico continuam tão incomunicáveis como estavam no início do filme. Porém, da gentileza desse contacto – não creio que se possa aqui dizer encontro – ambos saem bem na fotografia: o ateísmo puro e duro e a Igreja Católica a poder rir-se de si própria; o tom levemente irreal do filme a isso ajuda. Não por acaso Moretti foi mais atacado por não ter feito um filme de protesto do que por feito troça da igreja católica. O que prova mais uma vez que este genial cineasta romano vive para além do "mercado das expectativas". Fez o  filme que quis e soube fazer e não o filme que a maralha queria que fizesse. O que só abona a seu favor.