Tchekov é uma fonte inesgotável. Tem aquela
coisa de mestre mais à frente que os autores da frente do presente e do futuro e nos leva a achar que tudo o mais é reciclagem.
Sei que hoje andava na rua a tentar apanhar contos de Tchekov. Mas não vi nenhum, ou não tive talento e engenho para isso. Com a televisão foi mais fácil, num
desses programas forum em que o tema devia ser a crise, uma senhora idosa quase chorava ao
telefone mais ou menos isto: “ou compro os medicamentos ou passo fome, o meu dinheiro não dá para as duas coisas. Sofro de pedras nos rins, sempre trabalhei, trabalho desde os 9 anos...”.
Fez-me lembrar uma martelada que levei ontem à noite:
“ Os olhos de Iona percorrem aflitos as pessoas que passam pela rua, como se procurassem, entre os milhares de rostos desconhecidos, alguém que esteja disposto a escutar as suas mágoas. (...) A
tristeza cresce então dentro do seu peito, abafa-o, enorme,
infinita. Se lhe abrissem agora o peito e ala se espalhasse, saisse
cá para fora, inundaria o mundo inteiro.”
Já
os Medinas Carreiras desta vida, sempre aviados e afiados com as mesmas inevitabilidades fazem-me mais lembrar a descrição abaixo:
“Zapoikin
está sempre pronto para discursar, em qualquer hora ou em qualquer
estado: com sono ou em jejum, a cair de bêbedo ou cheio de febre. As
palavras brotam-lhe da boca com extrema fluência, como um jacto de
àgua que jorrasse de um cano; e no seu escolhido vocabulário, há
expressões capazes de comover uma rocha, e, em começando, é
difícil fazê-lo parar; já tem acontecido, principalmente em
casamentos, ser preciso chamar a polícia para conseguirem que se
cale.”