segunda-feira, 25 de julho de 2011

Sinuca, Peteca e Aristóteles


Outra cousa que também me parece metafísica é isto: - Dá-se movimento a uma bola, por exemplo; rola esta, encontra outra bola, transmite-lhe o impulso, e eis a segunda bola a rolar como a primeira rolou. Suponhamos que a primeira bola se chama... Marcela, - é uma simples suposição; a segunda, Brás Cubas; a terceira, Virgília. Temos que Marcela, recebendo um piparote do passado rolou até tocar em Brás Cubas, - o qual, cedendo à fôrça impulsiva, entrou a trolar também até esbarrar em Virgília, que não tinha nada com a primeira bola; e eis como, pela simples transmissão de uma fôrça, se tocam os extremos sociais, e se estabelece uma cousa que poderemos chamar - solidariedade do aborrecimento humano. Como é que este capítulo escapou a Aristóteles?

(pags.92-93)

Meu espirito (permitam-me aqui uma comparação de criança!) meu epírito era naquela ocasião uma espécie de peteca. A narração do Quincas Borba dava-lhe uma palmada, e êle subia; quando ia a cair, o bilhete de Virgília dava-lhe outra palmada, e êle era de novo arremessado aos ares; descia, e o episódio do Passeio Público recebia-o com outra palmada, igualmente rija e eficaz. Cuido que não nasci para situações complexas. Êsse puxar e empuxar de cousas opostas, desiquilibrava-me; tinha vontade de embrulhar o Quincas Borba, o Lôbo Neves e o bilhete de Virgília na mesma filosofia, e mandá-los de presente a Aristóteles.

(pag.172)


Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Editora Cultrix, São Paulo