quinta-feira, 23 de junho de 2011

Exercício

A folha branca deixa de ser branca quando está escrita e a escrita preenche-se pela imaginação e nunca pela tinta. Pensava nisso quando agora a tentava preencher com uma parede branca à minha frente. Contaram-me que um dos exercícios do Zazen é estar horas em posição de lótus a olhar para uma parede branca, e que passado algum tempo as dores nos joelhos tornam-se tão intoleráveis que só as esquecendo se consegue aguentar. E que sobre a parede branca se começam a projectar imagens num enredo caótico com possíveis momentos de coerencia. Imagens atrás de imagens atrás de imagens. Porque é nos ser impossível ter o branco indefenidamente. Porque o branco não veio antes de nós. 

6 comentários:

Menina no Sotão disse...

Seu texto me fez pensar no quão é difícil em alguns momentos manter limpa a mente, ausente de qualquer coisa que seja, por mais que eu tente. Pensei então que talvez a morte seja um branco para a pele, mas como me faltam argumentos, desisti desse pensamento, afinal, vá que exista ainda mais cores depois.
Por fim me vi obrigada a pensar na noite e no sono. Quando não há sonhos, há o branco. Talvez.

bacio

Ps. Desculpe chegar assim, mas vim aqui para conhecer sua livraria no post abaixo e acabei curiosa por saber mais de seu blog e o assunto invadiu-se...

Pedro Góis Nogueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Góis Nogueira disse...

Não tem problema. Pelo contrário. Agradeço o comentário que lançou pontos de leitura em que eu não tinha pensado, de resto é curioso que o propósito do Zazen seja precisamente o limpar da mente, isto creio que no melhor sentido do termo.

Tolan disse...

li um livro de Zazen 'hardcore', do Taisen Deshimaru, um 'clássico' no género, e ele diz que o objectivo é mesmo não pensar em absolutamente nada e confronta outras correntes de meditação, nomeadamente ligadas ao Ioga por exemplo, em que esse estado de transe leva a alucinações e visões etc. As dores são fortes no principiante por falta de flexibilidade, mas é suposto com treino não sentir desconforto físico nenhum e recomenda o uso de almofadas e períodos mais curtos. Também se bate na pessoa com um pau nas costas (não com força) só para o despertar porque também não se pretende um estado de sonolência. O objectivo da parede é apenas o de eliminar qualquer distracção ou excitação.

Não te quero contrariar no post que acho muito bom :) aliás, percebi que o Zazen não era para mim (apesar de muito interessante) mas o Taishen fala muito sobre a apropriação do Zen pelo mundo ocidental que depois o "deturpa" um pouco, fugindo à sua tradição pura. É verdade que para nós ocidentais, é mais atraente uma ideia de meditação que nos faz viajar e ver coisas do que uma que é o absoluto vazio e que não pode ser explicada. Tal como tantos ocidentais, interessei-me pelo Zen (e por muita coisa) porque queria resolver determinadas questões, logo aí contrariando um dos princípios deles que é o de não se poder querer absolutamente nada.

Pedro Góis Nogueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Góis Nogueira disse...

Tolan, o teu comentário (que agradeço) abre alguns pontos que considero muito interessantes que em si são uma longa discussão, principalmente a parte da charlatanice ocidental e da forma como a nossa exteriorização vive com a interiorização oriental. O que é literal, que na nossa cultura meditação é mais em igrejas, pardon my boutade...
Tenho um género de questão não resolvida ou interrompida com o oriente porque pratiquei 5 anos Aikido e as vidas fizeram com que largasse, e entretanto ando sempre a dizer que vou voltar, mentindo-me a mim próprio, e agora quero ver se em Setembro volto de vez. Falo nisto por causa da questão do vazio e do "não pensar", éramos constantemente confrontados com isso: quer nos exercícios iniciais de armas em que durante vinte minutos estávamos literalmente olhos nos olhos do oponente (f****** scary), quer na técnica que não saía se pensássemos, ou nas quedas placadas onde se se pensa que é assustador parte-se o braço e eu só caí placado um par de vezes em cinco anos, provavelmente por intuição do meu mestre/professor.
Devo dizer que aquilo faz mesmo milagres e maravilhas à pessoa, e que aquele vazio do (não) pensar é muito criativo. Há (tem de haver) um outro lado da moeda, mas isso é também outra longa conversa . Em relação ao Zazen deixa-me só dizer-te que aquilo era na Av. Morais Soares ás sete da manhã, coisa para fanáticos, ou não...:))